Manter animais livres e realizar solturas são prioridades, mas há momentos o bem-estar e a segurança de animais e pessoas pesam mais no processo decisório.
Hoje, gostaria de compartilhar uma história que pode parecer incomum para alguns, mas se repete mais vezes do que imaginamos. Em dezembro passado, o Instituto Libio recebeu um pedido de ajuda para um macaco bugio-ruivo que estava causando preocupação na região do litoral paulista. O primata, apelidado de Chico pelos moradores locais, tinha um comportamento muito sociável e próximo com seres humanos, permitindo que até passassem a mão nele como forma de carinho. Um macho solitário e sem origem conhecida.
Apesar de Chico aparentar ser adorável, essa situação representa riscos tanto para as pessoas quanto para ele, podendo resultar em acidentes, como ataques a pessoas ou a Chico por animais domésticos, transmissão de doenças, além da possibilidade de atropelamento e eletrocussão. A expansão urbana sobre os hábitats naturais tem aumentado a vulnerabilidade dos animais aos efeitos secundários da urbanização, como choques elétricos, ataques por cães e acidentes com veículos, resultando em um aumento significativo no número de óbitos e espécimes lesionados.
Chico é um bugio-ruivo (Alouatta guariba), espécie que está em risco de extinção classificada como “vulnerável” na Lista Oficial de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção. No território paulista ocorre na Mata Atlântica da Serra do Mar e do interior do estado, a partir da margem esquerda do rio Tietê. Também é uma espécie classificada como “em perigo” na Lista de Espécies da Fauna Silvestre Ameaçadas de Extinção do Estado de São Paulo. São animais que vivem em grupos, se alimentam de folhas, frutos e flores. Possuem como forma de comunicação a vocalização, sendo chamados de roncadores, pois conseguem produzir sons muito altos.
Diante dessa situação, o Instituto Libio, embora não tenha autonomia para fazer a gestão direta desses casos, reconheceu a importância e buscou informação e colaboração com a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado de São Paulo (Semil), mais especificamente com o Departamento de Fauna (DeFau).
Conflito humano-fauna
O DeFau é um dos departamentos vinculados à Coordenadoria de Fauna Silvestre (CFS) da Semil. Ele é composto pelo Centro de Fauna Silvestre in situ (animais que vivem livres) Centro de Fauna Silvestre ex situ (animais em cativeiro), Centro de Gestão Regional de Fauna Silvestre e Núcleo de Controle e Monitoramento da Atividade de Criação Amadora de Pássaros (Sispass). O Departamento tem, por meio dos respectivos centros, em suas áreas de atuação, a atribuição de realizar estudos, desenvolver modelos e propor normas voltadas ao manejo de fauna silvestre nativa e exótica, à destinação de animais silvestres e à gestão da fauna silvestre sob cuidados humanos.
No caso de Chico, havia um claro conflito entre a fauna silvestre e os seres humanos. O conflito humano-fauna se manifesta através de interações negativas, resultantes de impactos reais ou percebidos, bem como de divergências entre diferentes grupos de interesse quanto às estratégias de gestão para mitigar esses conflitos, prejudicando a harmonia na coexistência entre as pessoas e os animais selvagens.
Em casos como esse, a equipe do DeFau, quando procurada, busca realizar um diagnóstico da situação e considera as informações provenientes dos relatos recebidos, tais como espécie envolvida, localização/paisagem de entorno onde está ocorrendo a situação de conflito, e se já houve alguma tentativa de manejo ambiental ou mudança de comportamento humano para contornar o conflito. A depender do caso, pode ser realizada uma vistoria técnica.
A partir desse diagnóstico, o DeFau orienta sobre ações possíveis para a resolução do conflito ou para que se alcance condições mínimas de coexistência, preferencialmente que não envolvam a captura do espécime envolvido. Contudo, em situações como a do bugio Chico, pode haver recomendação de resgate do animal, ao ponderar os riscos e os benefícios para ambas as partes, humanos e não-humanos.
“Tudo teve início após o recebimento de um pedido de resgate para um bugio solitário que rondava uma comunidade tradicional no município de Ubatuba, litoral norte de São Paulo. Foi averiguado, junto aos moradores, inclusive por vídeos, que o animal apresentava comportamento manso e interagia com as pessoas, que, por sua vez, acabavam fornecendo comida e guloseimas, como chocolate. Ao mesmo tempo que os moradores forneciam comida, havia uma preocupação que o indivíduo pudesse ser ferido pelos cães ou pelas próprias pessoas. Em especial, um vídeo em que uma moradora faz carinho nele dentro da sua residência chamou a atenção quanto ao estado de saúde e de comportamento do indivíduo. Apesar de não ter sido possível realizar uma vistoria presencial no local, os relatos forneceram indícios suficientes de que se tratava de uma situação de risco, tanto para o animal quanto para as pessoas.
Os integrantes do Programa de Manejo Populacional (PMP) do Bugio-ruivo e do Centro Brasileiro de Primatas (CPB), em conjunto, chegaram à conclusão de que o resgate do indivíduo se fazia necessário. Diante desse histórico e do risco para o animal, foi tecnicamente recomendado que o macaco fosse resgatado e destinado para um empreendimento ex situ, devidamente autorizado pelo DeFau, onde ele pode ter sua saúde e comportamento avaliado por uma equipe especializada. Futuramente, se houver indicação técnica, poderá ser solto em local adequado à espécie”, relatou a especialista ambiental IV do DeFau-CFS/Semil Monicque Silva Pereira, que recebeu e conduziu o caso.
Chico foi resgatado em janeiro.
O DeFau também explicou qual o fluxo de atendimento para o resgate de animais silvestres em situação de conflito. Uma vez que o resgate foi tecnicamente recomendado, as equipes locais podem ser acionadas para a operação de captura do animal, como secretarias municipais de Meio Ambiente, Polícia Militar Ambiental, guarda civil, entre outros, o que pode variar para cada localidade. Após a captura, o espécime deve ser transportado de modo adequado até um Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras), que idealmente já deve ter sido contactado e informado sobre a chegada do indivíduo.
Uma vez no Cetras, os animais são avaliados quanto ao seu estado de saúde e aptidão para soltura em ambiente natural por uma equipe de médicos veterinários e biólogos. A expectativa é que sempre possa ocorrer a soltura em ambiente adequado, porém, eventualmente, o indivíduo pode não apresentar condições de retorno à natureza, quando é o caso de se buscar por um empreendimento ex situ para sua permanência.
Como agir em situações com animais silvestres
A principal recomendação é que a pessoa não tente manipular ou capturar o animal, pois esse comportamento coloca em risco a integridade da pessoa e do espécime. Deve-se entrar em contato com o órgão ambiental local (como as secretarias de Meio Ambiente dos municípios e Polícia Militar Ambiental) e, se necessário, no Estado de São Paulo, com a equipe do DeFau (pelo e-mail fauna.manejo@sp.gov.br), que poderá orientar sobre os próximos passos em busca de uma coexistência segura e harmônica com a fauna.
Frequentemente, discutimos a ideia de uma segunda chance em relação à liberdade e à soltura, mas há momentos em que o peso maior recai sobre o bem-estar e a segurança de animais e pessoas. Os animais silvestres, por natureza, são selvagens, possuem comportamentos alimentares naturais e hoje, com a expansão das áreas urbanas em direção às regiões verdes, o contato com esses seres torna-se mais comum. É inevitável não nos maravilharmos com tamanha beleza resultante desse encontro entre o urbano e o selvagem.
Se você é um amante da natureza e dos animais silvestres, é crucial evitar alimentá-los ou se aproximar, visto que isso pode causar danos tanto a eles quanto a você. Contemplar a beleza desses seres sem estabelecer contato direto é uma forma de respeitar sua natureza selvagem. Além disso, é importante lembrar que muitos animais podem transmitir doenças e a proximidade excessiva pode colocar ambas as partes em risco. Ao observá-los à distância, estamos não apenas admirando sua beleza, mas também garantindo sua segurança e bem-estar.
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