O mar estava tentador para quem adora a energia das ondas. Muitas pranchas ilustravam aquele azul que sumia de vista. O sol castigava. O adolescente Juninho estava entre aquelas pessoas que aproveitavam as imensas ondas.
Surfar é coisa relativamente nova em Ubatuba, de meados da década de 1970. Naquele tempo apenas a Praia Grande servia à prática desse esporte, pois a rodovia BR-101 (Ubatuba-Paraty) ainda não se completara para revelar a famosa Itamambuca e outras do lado norte do município. Pouca gente tinha condições para adquirir prancha naquela época. Também eram poucos os admiradores do novo esporte. Prazer era tomar banho de mar, pegar jacaré (descer na onda usando apenas o corpo), jogar futebol na areia e paquerar. Ouso dizer que, dentre aqueles surfistas, poucos eram destemidos. Assim, em dias de fortíssimas ondas, a maioria ficava na areia. Eram denominados de "paneleiros". Os bermudões floridos/coloridos marcaram época. O jovem da nossa história não era desse tempo. A sua prancha era de isopor.
Os pais de Juninho, migrantes, eram caseiros, tomavam conta de uma mansão que ocupava parte do morro e da costeira de Praia Vermelha, a Vermelhinha. Naquele dia distante ele deixou a água para nos acompanhar. Os lábios sangravam porque, para quase todo mundo, protetor solar era algo desconhecido. Logo estávamos no acesso à casa. Um remanso na costeira revelava mariscos (mexilhões) e tantas outras iguarias que o mar oferece aos povos litorâneos desde os primórdios. Eu fui catando os maiores, sobretudo mariscos e saquaritás. Qual caiçara desprezaria esses frutos do mar? Com certeza seria um reforço no almoço que a pobre senhora nos ofereceria. Fui chegando, cumprimentado a mãe e filhos menores. O pai estava ausente, fazendo uns "bicos" para melhorar as condições de sobrevivência da família. Notei que a parte elétrica na área que abrigava aquela gente estava feia, bem arruinada. Pensei: "Sabe quando o patrão vai se importar com isso? Nunca!". Então decidi: enquanto proseava eu iria fazendo os reparos possíveis. Era o mínimo que eu poderia retribuir pela acolhida e aprendizado com aquela família. Hoje o Juninho é um profissional de renome na comunicação, na propaganda. Trabalha há anos na capital paulista. É migrante lá, assim como os pais que se mudaram para Ubatuba há décadas. Tempos atrás eu o encontrei num supermercado, estava desfrutando de um feriado prolongado. "Faço isto sempre que posso, Zé. Não perco nenhuma oportunidade. Foi aqui que me fiz e é aqui que me refaço para enfrentar o cotidiano na cidade grande". Resumindo: aquele adolescente radiante de outrora, fruto de uma educação/vivência no território/cultura caiçara, continua do mesmo jeito, animando a gente. Me pergunto agora: quantas pessoas reconhecem uma dívida para com a natureza e cultura desta cidade, desta Ubatuba?
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