Filipe Toledo relembra tsunamis internos antes de título mundial de surfe
Natural de Ubatuba, litorial de São Paulo, surfista, em setembro bateu o compatriota Italo Ferreira e se consagrou campeão da WSL
Por Augusto Siqueira (@augustosiqueira)
Numa tarde de segunda-feira, Filipe Toledo, 27 anos, apareceu com um sorriso no rosto para a conversa via chamada de vídeo. Natural de Ubatuba, litoral de São Paulo, ele estava em sua nova casa em San Clemente, na Califórnia, e vestia um acessório celebrado entre surfistas, o bucket hat, cobrindo a cabeça que ganhou a coroa de campeão mundial de surfe em setembro, após bater o compatriota e medalhista de ouro nas Olimpíadas de Tóquio, Italo Ferreira.
O caminho até o topo, no entanto, não foi fácil. Em nove temporadas, havia chegado perto do título algumas vezes. Na conversa a seguir, Filipinho relembrou os conflitos internos que sofreu até a sonhada vitória, além de revelar o que mudou em sua rotina após a inédita conquista.
Um prédio nas costas
"No campeonato, sentia um prédio de vários andares nas minhas costas. Ao mesmo tempo em que tentava não deixar esse peso tomar conta de mim, via que ele era inevitável. Indiretamente, havia a pressão da mídia, dos patrocinadores em busca do título. Meu 'eu' queria muito também, assim como a minha família. Então, tinha horas em que não dava para controlar. O peso vinha — e era grande. Mas, depois da conquista, deu aquele alívio, e foi bem gostoso."
Desafios
"Eu me colocava muito no papel de ajudar a família. Tenho três irmãos (Matheus, Davi e Sofia); minha esposa (Ananda Marçal) ficou grávida depois de seis meses de namoro. A Mahina nasceu em 2016. E aí aconteceu essa cobrança de ter uma filha, um casamento, uma casa para gerenciar, os patrocínios, a carreira. Fui colocando isso dentro de mim e não jogava para fora, só absorvia. Em 2018, veio o Koa. Mais um filho, mais cobrança. Não conseguia dar 100% em nenhuma área da minha vida. E isso estava me frustrando cada vez mais. Juntava tudo, e não era apenas um gatilho, e sim uma bomba."
2019: o ano da queda
"Comecei a acumular sentimentos dentro de mim, e isso me deixou mal. Foi o ano mais difícil da minha vida. Altos e baixos; mais baixos do que altos. Depressão, ansiedade, tudo isso tomou conta de mim. Não tinha prazer nem vontade de surfar e competir. A cada nova derrota, eu me afundava em um buraco cada vez mais escuro, e não enxergava a saída. Minha esposa foi uma pessoa muito importante em minha vida durante esse tempo. Fui aos poucos conversando com ela, tentando me entender. Queria essa mudança, mas para mim era muito difícil."
Saída da escuridão
"Chegou o momento em que busquei a ajuda de profissionais, pois queria sair da escuridão em que me encontrava. Tinha dias em que desejava muito falar; em outros não queria me expressar. Não foi fácil, mas aos poucos acabei evoluindo. Em alguns momentos, queria me deixar afundar, mas comecei a entender como isso funcionava. Em 2021, quando disputei e perdi o Mundial para o Gabriel Medina, eu me senti bem preparado psicologicamente e com o sentimento de que havia feito todo o possível na final. Isso me deixou feliz. Para este ano, vim mais pronto, e o título aconteceu."
Legado
"O legado que quero deixar é mostrar que nunca saí de uma situação com a sensação de que poderia ter feito mais. Quero que fiquem como marcas minha determinação, minha garra e minha humildade. Sou um cara família, pois considero o que temos o mais precioso. É um conjunto: valorizar os amigos e a família, mostrar minha dedicação e saborear as conquistas."
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