terça-feira, 30 de julho de 2024

TRAVESSIA ALTO GRANDE X ESPELHO: Cume da Serra do Mar - UBATUBA-SP - Primeira parte

 


Pedra  do Espelho - Essa imagem não faz parte da matéria original aqui publicada , aqui ela está para ilustrar . Imagem Jacuy.net



        ALTO GRANDE X ESPELHO

          Estávamos à beira do abismo colossal quando ele apareceu, vindo sei lá de onde. Como um dragão cuspidor de fogo, parecendo ter saído das páginas do apocalipse, veio em nossa direção, sobrevoou os vales do Rio Cachoeira, Puruba e Verde, passou próximo da Montanha mais alta de toda a Serra do Mar Paulista e botou força nos seus motores e suas hélices. Ninguém sabia o que estava acontecendo, uns gritavam que era a Polícia Militar, outros insistiam que se tratava da Federal, eu mesmo só pensava em não cagar nas calças diante daquela cena dantesca e inusitada. Aquela era sem dúvida uma das montanhas mais isoladas de Ubatuba, lugar onde pouca gente já teve a honra de botar os pés e o seu nome refletia a angustia presente no olhar de cada um daqueles dez aventureiros que ali estavam, depois de uma jornada duríssima até o seu cume, esquecido pela civilização. Quando pairou sobre nossas cabeças, há 5 metros do chão, eu pensei em fugir, mas atrás de mim uns 500 metros de vazio me dizia que era caminho sem volta e aquela frase clássica escapou da minha boca num sussurro quase inaudível: “ AGORA FUDEU! Agora fudeu de verdade “ 


          Se fizéssemos uma pergunta sobre qual o CUME da Serra do Mar de São Paulo, muitos daqueles que estão acostumados com os esportes de aventura e detêm um mínimo de conhecimento, vão dizer logo, com razão, que essa montanha é sem dúvida o TIRA CHAPÉU ( 2088 M) , mas outros poderiam contestar e chutariam que a mais alta é a Pedra da Bacia( 2090 m , mas nunca provado) , as duas turística e de fácil acesso, situadas lá pelas bandas de São José do Barreiro, no Parque Nacional na Serra da Bocaina. Pois bem, mas quando nós dizemos Serra do Mar Paulista sempre estamos nos referindo a sua parte litorânea, seu espigão fantástico, coberta de florestas quase intocadas, de onde rios selvagens escorrem do planalto em direção ao mar, num dos mais lindos ecossistemas do mundo. Dos 16 municípios que compõem o nosso litoral, QUAL SERIA A MONTANHA COM MAIOR ALTITUDE E ONDE ESTARIA LOCALIZADA, ou seja, QUAL O CUME DA SERRA DO MAR PAULISTA, em todo seu litoral?

 Como disse a previsão, o dia amanheceu lindamente ensolarado e pouco depois da 6 da manhã já estávamos de pé, bem a tempo de dar explicações para um dos habitantes da fazenda que deve ter se assustado com nossa invasão. Estávamos apreensivos porque uma fonte havia nos dito que os fazendeiros estavam barrando quem se atrevesse a passar por suas terras rumo aos picos, mas fomos atendidos muito bem pelo seu Lourival, com toda simplicidade do homem do interior que nos recebeu com um cafezinho quente e ainda nos ofereceu para guardar nossos carros. Pouco depois das sete já estávamos prontos para partir, jogamos as mochilas às costas e nos pusemos a caminhar pelos Campos de Cunha, sua direção a partir de agora era para o alto, em busca do Cume da Serra do Mar Paulista.

          Nossa jornada começa por adentrarmos um portão de fazenda do lado direito da estrada, ganha logo uma casa e intercepta uma trilha que vai atravessar uma língua de mata em direção ao sul e uns 800 metros depois viramos à direita numa cama de pinhões, um amontoado de sementes da araucária, disposta em um cercado, que não faço a mínima ideia para que serve. Cruzamos mais alguns metros de mato e subimos o barranco e começamos a ganhar altitude de vez, sempre acompanhado alguma trilha de cavalo. Perdemos um pouco de altitude e descemos à um riacho onde aproveitamos para um gole de água e voltamos a subir, atravessamos uma cerca e nos enfiamos num corredor de samambaias mais alto até sairmos de frente para um vale bonito de onde se descortina grandes montanhas a nossa frente, que revelam toda a beleza desses Campos de Cunha.


 

          O sol já se mostra impiedoso mesmo sendo ainda muito sedo e a próxima subida já não é feita no mesmo ritmo das anteriores. Cruzamos uma porteira e quando nosso GPS marca 1480 metro de altitude nos diz que já andamos quase 4 km desde a fazenda, tropeçamos na placa que delimita a divisa entre Cunha e Ubatuba e ao mesmo tempo nos diz que estamos entrando no Parque Estadual da Serra do Mar, geograficamente tudo que havíamos estudo acaba confirmando que estamos no rumo certo e aproveitando que a trilha entra na mata fechada, descemos por mais 300 metros até desembocarmos bem no meio de um vale, juntamente a nascente de uma das pernas do Rio Puruba, que na carta topográfica consta como Rio Cachoeira, hora de parar, sentar, tomar um gole de água e morder alguma coisa.


          Geograficamente estamos num bico do mapa bem nos cafundós mais distantes de Ubatuba, encima do Planalto Paulista. E é mesmo surpreendente estar ali naquele riacho onde o rio Puruba pode ser cruzado com a água pela canela. Mais surpreendente ainda foi a capacidade que tivemos em unir dessa vez tanta gente diferente umas das outras, um dos grupos mais heterogêneos que já formamos, mas uma coisa acaba igualando todo mundo que ali estava: A PAIXÃO INCONTROLÁVEL PELA SERRA DO MAR DE SÃO PAULO, gente capaz de largar tudo por uma aventura nessas montanhas e florestas e esse amor incondicional acaba por ligar essa gente a ponto de se tornarem quase uma família.

          Como eu já havia dito, os caras que puxavam a fila eram o Thiago Silva e o Alan Flórido, sendo o Thiago o único que já estivera no Alto Grande. A nossa jornada continua agora por uma trilha estreita no meio da mata sombreada, mas como havia sido uma semana chuvosa, o caminho era uma lama só e parar em pé era um desafio do tamanho daquelas montanhas que buscávamos. Quando a subida começou de verdade, o grupo se fragmentou e alguns ficaram para trás e como a subida não faz distinção de idade, velhos e novos se alternavam como cú de tropa, experientes e novatos arrastavam suas línguas no chão até que sem prévio aviso ela surgiu à nossa frente e sorrindo nos chamou para uma conquista, mas antes era melhor estacionarmos por um momento sobre uma grande pedra no caminho à 1579 m, juntar todo o grupo antes da subida final. Pelo meu gps aquela pedra que marcava a saída da trilha principal para ascendermos ao cume, marcava também a divisa de Ubatuba com Paratí, portanto, dividia também São Paulo do Rio de Janeiro e ia muito mais além, dividia Parque Estadual da Serra do Mar do Parque Nacional da Serra da Bocaina  e essa informação era o “X” de toda a questão, porque sempre pairava uma dúvida se o cume ficaria ou não em terras Paulistas e agora diante dos nossos olhos , na palma das nossas mãos, a confirmação final e incontestável diante da tecnologia, faltava agora confirmar a altura aproximada do Cume, distante menos de meia hora de onde estávamos.


          Escondemos as mochilas no mato, mas nem precisava, e adentramos na mata rala em direção ao cume. Uns 200 m mais acima, um grande amontoado de pedras nos dá uma visão maior. O horizonte já se ampliou consideravelmente e já é possível avistar a Serra da Mantiqueira e seus famosos cumes, além da baia de Paratí e a cumeada da Bocaina. A subida final é suave, passa por uma toca e só aí começa a inclinar de vez, atravessamos um capão de mata mais fechada e desembocamos de cara com duas grandes rochas, uma do lado esquerdo e outra do lado direito e uma delas marca geograficamente o CUME DO LITOAL PAULISTA.

          Durante anos eu olhei para os mapas e cartas e agora diante dos meus olhos aquilo que era apenas um ponto aleatório, se materializou na minha frente. Para muitos poderia ser apenas uma pedra jogada no cume de um morrote qualquer naquele fim de mundo perdido encima do Planalto Paulista de Ubatuba, mas para mim era a consolidação de uma busca de anos, porque foram muitas noites de sono perdidas estudando mapas, buscando informações onde elas estivessem e agora nós estávamos prestes a fincar os pés naquele cume lendário. Um a um, fomos nos agarrando a qualquer coisa que desse sustentação e como era um cume não muito grande, nos amontoamos em grupos sobre ele e um abraço coletivo marcou a CONQUISTA FINAL, o CUME MAIS ALTO DA SERRA DO MAR PAULISTA era nosso, o ALTO GRANDE agora não era só uma montanha isolada nas bordas da serra, acabará de ganhar outro patamar com a nossa presença, não éramos nem de longe os primeiros, mas coube a nós revelá-la ao mundo da Aventura e talvez mudar a geografia da Serra do Mar que de agora em diante e para todo o sempre e para o conhecimento de todos, tem um cume oficial, não só o mais alto de todo o litoral, mas também o mais alto de UBATUBA.

 

    (Alto Grande)

          Na realidade o Cume é composto por essas duas rochas, mas a da esquerda é levemente maior, então foi nela que juntamos os 3 GPS para uma medição oficial, claro que é uma medição aproximada e num futuro, poderá se usar equipamentos ultramodernos e precisos, mas os números que achamos condiz com o que estão nas cartas, nas análises das curvas de nível. Juntos e no mesmo local os nossos equipamentos marcaram praticamente a mesma coisa, com uma miséria diferença de 1 metros entre os 3 equipamentos, então diante disso, o número estabelecido para a altitude do ALTO GRANDE foi de 1.662 metros acima do nível do mar. Se a rocha da esquerda é o cume da serra, foi a rocha da direita que escolhemos para instalar o nosso LIVRO DE CUME, bem debaixo de uma pedra, protegido da chuva e do vento e de qualquer outras intemperes do tempo, foi uma doação nossa, um presente para Serra do Mar Paulista.


          Tirando a importância geográfica dessa montanha, nós sinceramente não achávamos que teríamos algum visual que prestasse, pensávamos que seria um cume cercado de mato por todos os lados, porque é assim que ele se apresenta nas fotos de satélite, mas nos enganos bonito e se não é possível daqui ver o mar de Ubatuba e o litoral Paulista, vamos ter as vistas soberbas da Baia de Paratí, das montanhas que fecham o vale da Toca do Ouro , de toda a cadeia de montanhas da Bocaina, inclusive com a Pedra da Macela e o Pico do Frade, além da incrível Mantiqueira e seus ícones rochosos. Olhando para o sul/sudoeste, que é a direção do litoral Paulista, vamos ver uma sequência de montanha com cerca de 100 metros mais baixa que o Alto Grande, mas por incrível que pareça, uma delas reina como o segundo ponto mais alto do nosso litoral, com altitude em torno de 1550 metros, mas por não parecer ter nenhum cume rochoso, essa espécie de k2 da Serra do Mar, que resolvi então chamar de UB 2, por pertencer a Ubatuba, decidimos não perder tempo com ela, nosso próximo objetivo então seria o terceiro cume nessa hierarquia , a não menos fantástica e LENDÁRIA , PEDRA DO ESPELHO, de onde o mar de São Paulo te convida para um deslumbramento inesquecível.


          O dia quase se aproximava da sua metade quando abandonamos o Alto Grande. A descida foi rápida e sem entreveros e assim que chegamos na bifurcação, não perdemos tempo e pegamos logo para a direita e não demora muito a trilha já volta a entrar na mata fechada e entre sobe e desce, intercepta algum riachinho mais caudaloso. É uma trilha bem consolidada porque vai percorrer todo o vale até Paratí, 20 km de pernada que teremos que fazer na manhã seguinte, mas hoje o objetivo é abandoná-la em favor de outra trilha que nos levara direto para o sul em direção a Pedra do Espelho. Uma hora de caminhada desde o Alto Grande, nos faz sairmos em campo aberto e já é possível avistar a imponência do Espelho assim que cruzamos uma porteira. Os nosso “guias” sussurram que está perto, mas não passa de conversa fiada, logo se vê que a montanha está lá na puta que o pariu, mas eu mesmo me enganei ao fazer essa análise de distância, nunca vi puta que o pariu ser tão longe.


            ( Rumo a Pedra do Espelho)

          A trilha começa a descer bruscamente em campo aberto e agora o grupo voltou a se fragmentar, porque alguns fizeram questão de ficar apreciando o visual e angariar umas boas fotos. Vamos perdendo altitude até que ela volta a entrar na mata e quando chega a uma outra bifurcação, nos detemos por um instante até que todo o grupo se juntasse novamente. Nessa bifurcação vamos pegar para direita e abandonar a trilha principal. Então descemos a ribanceira até sairmos novamente em campo aberto junto a um rancho e um bucólico riacho e subimos a colina à frente até pararmos no mirante do vale, hora de nos determos por mais um momento e apreciarmos as paisagens até onde a vista alcança.


          A chegada ao mirante marca definitivamente o fim da trilha, de agora em diante é só mato no peito e as vezes alguma picada ou outra, mas sem gps não se vai a lugar nenhum. Reunido todos ali já se vê que o cansaço já tomou conta de boa parte do grupo. Viajamos quase a noite toda, dormimos quase nada e nos alimentamos muito pouco e a maioria não vê a hora de esticar o esqueleto, mas a pior parte da trilha ainda estava por vir. Deixamos o descampado e caímos logo na capoeira, uma mata fechada e não deu nem 5 minutos para o Daniel Trovo soltar um galho no olho do Vagner e aí tivemos que nos deter por um tempo para prestar os primeiros socorros, mas isso não foi nada porque o Vagner ia “tomar no zóio” mesmo era lá no cume do Espelho. Restabelecido o moribundo, seguimos enfrente, sempre rumando para sudoeste, descendo e subindo pequenos vales, cruzando riachos e atravessando vegetação fechada.

          A quilometragem total não passa de míseros 3 km desde o rancho , mas para quem já está no bagaço, 100 metros subindo é uma tortura. O calor tá de matar e a umidade acaba por ir minando a energia da gente. Alguns já vão ficando para trás, Luciano perna manca e joelho podre, assume a rabeta de vez e pega para si o título de cu de tropa da subida final. Rafael é só mais um zumbi vagando sem rumo tentando acompanhar o grupo, ao seu lado, Paulo Potenza vai tentando lhe dar um conforto psicológico, mas não demora muito para ele anunciar que o Rafa teve um mal súbito e agora jaz ali caído no meio da mata a espera do SAMU. Um km depois nosso caminho se vira para o sul e embica para cima e os “fi duma égua” do Thiago e do Flórido anunciam que logo estaremos passando pela última água antes do cume, mas, ou se enganaram ou estavam de onda com a nossa cara, porque essa água nunca chegava, passávamos por centenas de riachos, mas nunca era o último.

          O tempo vai passando e cada vez mais a língua da maioria vai se arrastando pelo chão, tirando 2 ou 3 novinhos, o resto arrasta seu sofrimento montanha acima e o problema não é por estarem fora de forma, mas é que no primeiro dia sem dormir e como a tarde já bate as portas, aquela leseira vai se acentuando, a fome vai tomando conta e quando é anunciado que o último ponto de água chegou, enchemos todos os reservatórios e sem perder tempo começamos a galgar a rampa final rumo ao cume. Até caras forte como Trovo e Régis já vão dando sinal de fraqueza e o Maurício é outro que resolveu trazer comida para todo mundo e se enrosca carregando uma mochila muito acima do necessário. Mas eu não, apesar de me manter firme no grupo de elite que vai à frente, meus quase 50 anos já viraram 100 faz tempo, minha perna direita resolve que não iria subir mais e fez corpo mole, se acabando em câimbras. Sem querer pagar mico e pedir para o grupo parar na reta final, apenas dou ordem para que minha perna esquerda se vire e araste a direita e quando um grande clarão surge no meio das árvores logo vem o grito do homem à frente: “CUME GALERA”.

 

Observação:    Confira   a  segunda parte  amanhã  31  de  Agosto.


FONTE :  https://www.mochileiros.com/topic/88551-travessia-alto-grande-x-espelho-cume-da-serra-do-mar-ubatuba-sp/


Observação  peço licença Divanei Goes de Paula   membro do site :  Mochileiros.com para compartilhar aqui essa belissima matéria  , a qual é de suma importância para todos nós ubatubanos, ubatubenses, caiçaras, turistas e amantes de Ubatuba SP.

Em tempo não foi possivel compartilhar aqui as imagens originais da matéria , pois não foi possivel do site original baixa-las ou copia-las para poder compartir aqui .


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