quinta-feira, 9 de maio de 2024

Pesquisa monitora impactos de superpopulações de mamíferos na ilha Anchieta

 



Seguis-de-tufos-pretos e cutias, soltos em 1983, se reproduziram e se adaptaram ao ambiente da ilha paulista.

Emanuelly Teixeira e Nathan Sampaio | Jornal da Unesp
07 DE MAIO DE 2024


Na tarde do dia 3 de março de 1983, a agenda do então governador de São Paulo registrava um evento inusitado: participar, na ilha Anchieta, no litoral de Ubatuba, a cerimônia de soltura de cerca de 160 animais, pertencentes a 15 espécies de mamíferos e algumas de répteis. Capivaras, cutias, macacos-prego, saguís-de-tufo-preto, quatis, bichos-preguiça, ratões-do-banhado, tamanduás-mirins, tatus, tatupebas e veados-catingueiros foram soltos na ilha, sem que fosse conduzido qualquer estudo prévio a respeito dos impactos que eles causariam no ambiente.

Apesar das boas intenções que costumam impulsionar iniciativas semelhantes, a introdução de animais em ilhas corre o risco de se mostrar desastrosa. Na ausência de predadores naturais, algumas espécies podem se multiplicar rapidamente. Outras podem não se adaptar bem a um ambiente totalmente novo e perecerem.

A história e o destino de cada uma das espécies introduzidas na ilha Anchieta em 1983 têm sido alvo dos estudos dos pesquisadores do Laboratório de Biologia da Conservação (Labic) do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, liderados pelo docente Mauro Galetti, que também é diretor do novo Centro de Pesquisa e Biodiversidade e Mudanças no Clima, recém-inaugurado na mesma unidade. Os resultados mais recentes desses estudos foram apresentados no artigo “Long-term population trends of introduced mammals on an tropical island”, publicado na revista científica Global Ecology & Conservation.

Situada a apenas 500 metros do litoral de Ubatuba, a ilha Anchieta possui 828 hectares de área e um longo histórico de perturbações da sua fauna e flora. Até a chegada dos portugueses ao Brasil, era habitada pelos indígenas tupinambás. No século 20, foi construído um presídio em seu território, mas uma rebelião dos 453 presos em 1952 resultou em diversas mortes e na desativação do Instituto Correcional.

Do ponto de vista biológico, a ilha Anchieta é uma unidade de conservação de proteção integral desde 1977, quando virou um parque estadual, e serve de refúgio para diversas espécies de aves, anfíbios e répteis. Os pesquisadores estimam que, devido ao seu tamanho e proximidade do continente, um pouco mais de 15 espécies de mamíferos deveriam ser encontradas na ilha. Mas, segundo os resultados dos estudos, apenas cinco das espécies introduzidas ali se estabeleceram.

FAUNA NEWS Pesquisadores monitoram impactos de superpopulações de mamíferos na ilha Anchieta (SP)
A ilha Anchieta é um parque estadual no litoral norte paulista – Foto: Fundação Florestal SP

O ecólogo Júlio Haji, que é mestre em Ecologia, Evolução e Biodiversidade pela Unesp e pesquisador do Labic, analisou os dados dos censos dos mamíferos realizados pelo grupo de pesquisas em 2002, 2004, 2018, 2021 e 2022. “Além das nossas observações, nós treinamos os voluntários e funcionários da ilha para monitorarem a fauna. A ciência cidadã pode ser uma grande ajuda quando o objetivo é subsidiar ações práticas em prol da conservação de áreas protegidas”, diz Júlio.

Para estimar a população das diferentes espécies, os pesquisadores da Unesp empregaram a metodologia de transectos lineares, que envolve caminhar lentamente pelas trilhas procurando pelos animais. Com ajuda dos voluntários, a equipe percorreu 611 quilômetros, o que resultou em 1.050 eventos de observação de animais. “Realizamos amostragem durante o dia e à noite, pois algumas espécies são noturnas”, explica Júlio. “Depois de compilar todas essas observações, a gente analisa se nossos dados são robustos o suficiente para estimarmos a população de cada espécie”, diz. A quantidade de eventos de observação registrada permite aos cientistas estimarem a densidade e o tamanho populacional dos animais que habitam uma determinada área.

Seguis e cutias se adaptaram

Os levantamentos mais recentes mostraram que apenas duas espécies de mamíferos prosperaram de forma notável. Dos cinco saguis-de-tufos-pretos (Callithrix penicillata) introduzidos em 1983, a população cresceu e no censo de 2022 foi estimada em 624 animais. A partir das oito cutias (Dasyprocta spp.), a população da espécie foi estimada em 947 indivíduos em 2022 e, desde então, ela se mantém estável.

Pesquisadores monitoram impactos de superpopulações de mamíferos na ilha Anchieta (SP)
A população de cutias está estável – Foto: Alex Augusto Marcelo/CC-BY-SA-4.0-DEED

Outras espécies, como o tatu-galinha, a paca, o tamanduá-mirim e o gambá-de-orelha-preta, foram observadas ocasionalmente. Já a preguiça, o veado-catingueiro, o ratão-do-banhado, o tatu-de-rabo-mole e o tatu-peba não foram mais vistos desde 2002 e. por isso, acabaram classificados como “possivelmente extintos”.

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Crescimento populacional da cutia e do sagui-de-tufo-preto no Parque Estadual da Ilha Anchieta – Arte: Júlio Haji/Jornal da Unesp

“O alto crescimento populacional dessas espécies reflete a falta de competidores e predadores dessas espécies” diz Mauro. “Enquanto algumas espécies aumentaram drasticamente sua população, outras sucumbiram, provavelmente devido ao pequeno número de indivíduos introduzidos e à falta de hábitat adequado.” Ele considera que os efeitos da superpopulação dessas espécies causam diversos impactos na ilha. “Cutias, gambás e quatis predam ovos de aves que nidificam no solo da floresta e os saguis predam os ovos das aves que fazem ninhos nas árvores”, diz.

A fim de minimizar os danos causados pela superpopulação, Mauro recomenda que sejam tomadas medidas como o controle reprodutivo, isto é, a castração dos machos. Porém, os serviços ecológicos que desempenham permanecem muito importantes para o ecossistema e não há por que pensar em removê-los em definitivo da área. “Diversas espécies de palmeiras dependem das cutias para dispersar suas sementes, então não é recomendado erradicá-las”, diz.

Júlio complementa que somente com o monitoramento contínuo será possível compreender mecanismos regulatórios das populações dessas espécies.

Com um ecossistema peculiar como o da ilha Anchieta, devemos estar atentos ao surgimento de novas doenças, uma vez que essas superpopulações não apresentam nenhuma variabilidade genética”, afirma Júlio.

As pesquisas do Labic continuarão, com a perspectiva de subsidiar intervenções que possam beneficiar o ecossistema. “A ilha Anchieta é um enorme laboratório biológico e diversos alunos da Unesp desenvolvem seus trabalhos de conclusão de curso, mestrado e doutorado aqui. Nossa proposta é continuar o monitoramento das populações dos mamíferos e avaliar os impactos dessas populações sobre o ecossistema”, conclui Galetti.

Matéria compartilhada na integra do site  :  https://faunanews.com.br/pesquisa-monitora-impactos-de-superpopulacoes-de-mamiferos-na-ilha-anchieta-sp/




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